Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – Um estudo feito por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) entre 2003 e 2005
revelou que estudantes provenientes de escolas públicas têm maior potencial acadêmico do que os das escolas
privadas, demonstrando melhor desempenho ao longo do curso.
A pesquisa ajudou a orientar a criação do programa de ação afirmativa adotado pela Unicamp em 2004 e, desde então, os autores têm feito o acompanhamento semestral do desempenho dos alunos, utilizando a mesma metodologia.
A conclusão preliminar do acompanhamento é que a medida efetivamente aumentou a porcentagem dos egressos de escolas públicas na universidade, especialmente nos cursos de alta demanda, garantindo a presença de estudantes de pior condição socioeconômica e melhor potencial acadêmico.
Os resultados atualizados do estudo foram publicados na revista Higher Education Management and Policy, editada pelo Programa sobre Gestão Institucional em Ensino Superior da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O trabalho foi realizado por Renato Pedrosa, do Departamento de Matemática do Instituto de Matemática Estatística e Ciência da Computação (Imecc), José Norberto Dachs e Rafael Maia, do Departamento de Estatística do Imecc, e Cibele Yahn de Andrade, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas. Benilton Carvalho, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos,
completou o grupo da Unicamp.
O acompanhamento semestral das turmas, segundo Pedrosa, foi uma das condições exigidas pela universidade para a implantação do programa. “Constatamos que, nas turmas que foram acompanhadas até agora, o resultado tem sido o mesmo: os alunos beneficiados pela ação afirmativa têm o desempenho melhorado ao longo do curso, em relação aos outros”, disse à
Agência FAPESP.
Logo no primeiro ano do programa a presença de alunos egressos de escolas públicas aumentou 15,4%, passando de 29% para 34%. O maior impacto foi nos cursos de maior demanda.
“Em medicina, por exemplo, a presença desses alunos passou de 10% para cerca de 25%. Isso ocorreu porque o número de pontos é fixo e, nesses cursos com mais demanda, com 30 pontos a mais o candidato ultrapassa maior número de concorrentes. O programa foi desenhado para isso”, explicou.
A admissão de pretos, pardos e índios aumentou 44,4% no primeiro ano. “Esse grupo passou de 11% para quase 16% do total. O número ainda está abaixo da porcentagem de 23% de estudantes que pertencem a esses grupos no Estado de São Paulo, mas mostra um claro progresso em direção a uma maior eqüidade”, afirmou.
Eqüidade em estudoO estudo começou em 2003, quando o debate público sobre políticas de ação afirmativa ganhava corpo diante da constatação de que a maior parte dos alunos das melhores universidades vinha de escolas privadas. Na Unicamp, a proporção de estudantes nessas condições era de cerca de 70%.
“A reitoria consultou a comissão responsável pelo vestibular, da qual eu faço parte, sobre a existência de estudos que justificassem academicamente as políticas de ação afirmativa. Como não havia estudos detalhados, coube a nós tomar a iniciativa”, disse Pedrosa.
Pedrosa e Carvalho avaliaram então o desempenho dos cerca de 7 mil estudantes que ingressaram na universidade entre 1994 e 1997 – a maioria dos quais, à época do estudo, em vias de formatura –, comparando a colocação dos alunos no vestibular à colocação alcançada na média total das notas ao fim do curso.
Segundo o professor do Imecc, a comparação indicou que os estudantes provenientes da rede pública melhoravam de posição ao fim do curso, em relação aos estudantes vindos de escolas privadas. Cada curso foi avaliado separadamente.
“Percebendo essa diferença favorável aos estudantes da rede pública, fizemos uma modelagem mais detalhada, transportando a experiência de Norberto Dachs na área de estatística em eqüidade em saúde para observar a questão da eqüidade em educação”, explicou.
Pedrosa ressalta que o programa de ação afirmativa, implantado já no vestibular de 2005, não foi diretamente derivado da pesquisa, mas serviu para justificar a adoção e determinar aspectos como, por exemplo, o número de pontos a ser acrescentado à nota do estudante egresso da rede pública.
“Nossa estimativa é que, com a variabilidade estatística da nota, os alunos cujas notas diferem em 10 ou 20 pontos estão, na prática, empatados. Por isso o programa acrescenta 30 pontos aos alunos de rede pública e mais 10 para os pretos, pardos ou índios nessas condições”, disse.
Escola pública: termômetro socialOs autores da pesquisa criaram um índice de nível socioeconômico educacional envolvendo o maior número possível de variáveis – se o aluno estuda de dia ou à noite, se fez cursinho, se trabalha, qual a formação dos pais ou qual a faixa de renda.
“Além de considerar se o aluno vinha da escola pública ou privada, esse índice foi correlacionado com o desempenho do estudante. Constatamos que o fato de vir de uma escola pública resume todas as outras características socioeconômicas. E descobrimos que essa condição se associa a um efeito positivo no desempenho”, explicou Pedrosa.
A interpretação dos pesquisadores para esse fato é que esses alunos – da escola pública e de camada socioeconômica mais desfavorecida – tinham um potencial acadêmico não desenvolvido e, quando eram colocados em igualdade de condições, tinham desempenho acima dos demais.
“Seria possível também fazer uma interpretação antropológica, concluindo que o ambiente da escola pública, mais hostil e adverso, torna o aluno mais determinado a se superar ao chegar ao ambiente aberto da universidade” , sugeriu Pedrosa.
Em 2005, o acompanhamento das turmas começou a ser feito. No fim de 2006, o estudo foi apresentado no Congresso Internacional da OCDE, em Paris, antes de ser publicado, com atualizações, no periódico da instituição no fim de 2007.
“Com a formatura da primeira turma que ingressou com o programa de ação afirmativa em vigor, no fim deste ano, o programa será reavaliado. Nosso grupo agora vai se dedicar a um estudo mais geral, para descobrir como evoluiu, nos últimos dez anos, o desempenho dos alunos da escola pública e privada na passagem do ensino médio para o superior”, adiantou.
O artigo Academic performance, students' background and affirmative action at a Brazilian research university, de Renato Pedrosa e outros, pode ser lido por assinantes da Higher Education Management and Policy (vol. 19 – nº3) em
LA FUENTE